FRIDA KAHLO

Frida foi responsável por dezenas de autorretratos capazes de combinar uma narrativa autobiográfica com um discurso que refletia sobre a representação do corpo na arte






Frida Kahlo foi uma espécie de para-raio para a cultura mexicana. Graças ao interesse que despertou na primeira metade do século 20, os olhos do mundo se voltaram para toda uma geração de artistas da então vanguarda mexicana, mas também para as artes pré-colombiana e popular do país. Frida foi um fenômeno em termos de autorrepresentação, com dezenas de autorretratos capazes de combinar uma narrativa autobiográfica com um discurso que refletia sobre a representação do corpo na arte. Esse conjunto de características fez da artista uma referência histórica, por isso a curadora Teresa Arc, que já esteve à frente do Museu de Arte Moderna do México, decidiu reunir obras de várias mulheres em Frida Kahlo — Conexões entre as mulheres surrealistas do México.

Programada para ocupar as galerias da Caixa Cultural a partir de 12 de abril, a exposição vai reunir 100 obras de 16 mulheres cujos trabalhos dialogam com o de Frida Kahlo. Muitas delas, inclusive, conviveram com a artista em uma cena marcada pelo machismo, pela revolução e pelo acirramento das posições políticas, mas também pela liberdade de pensamento e ousadia intelectual. Falar do protagonismo feminino no México dos anos 1930 é também uma forma honrar o trabalho de Frida. Na lista elaborada por Teresa entraram Leonora Carrington, Remedios Varo e Maria Izquierdo, três nomes fundamentais para compreender as vanguardas mexicanas dos anos 1930.

A questão feminina é central na exposição. “A cena artística do México era dominada pelos homens naquela época”, explica Teresa Arc. “E muitos muralistas estavam encarregados de reformular a identidade mexicana depois da revolução. Mulheres não podiam participar.” Foi necessário uma mulher para quebrar o círculo machista formado por nomes como Diego Rivera e David Siqueiros. Ao inaugurar a Galeria de Arte Mexicano, Ines Amor deu aos surrealistas um espaço e às mulheres, uma voz ao permitir, nos anos 1940, que nomes como Frida, Remedios e Maria fizessem exposições individuais e provassem que os muralistas estavam errados quando diziam serem elas incapazes de pintar murais.



Intensidade
Frida Kahlo virou um símbolo dessa emancipação. Enquadrada como surrealista, embora sua produção extrapole as definições canonizadas na história da arte para o movimento, a artista impressionou o mundo com pinturas que trazem para o primeiro plano as dores, medos, aflições e até alegrias de sua própria condição sem economizar na intensidade das representações e das cores. Na exposição, vista por mais de 600 mil pessoas no Instituto Tomie Ohtake (São Paulo), estarão 20 dos 143 quadros pintados pela artista. Em Brasília, a expectativa é que supere público de mostras importantes como Mestres do Renascimento, vista por mais de 100 mil pessoas.

A vida de Frida é cheia de episódios trágicos que se refletem nas pinturas. Uma poliomelite aos 6 anos e um acidente de bonde aos 18 deixaram marcas profundas e evidentes no corpo da artista. Frida falou sobre isso em muitas pinturas e esse talvez seja um dos lados mais explorados de sua obra, mas a dimensão política e nacionalista da artista também são de extrema importância para arte mexicana da época. Filiados ao Partido Comunista Mexicano, ela e Diego Rivera, com quem se casou aos 22 anos, apoiaram abertamente os ideais da Revolução Mexicana. Amiga de Trótski e André Breton, admirada por Pablo Picasso, Joan Miró e Wassily Kandinsky, a artista teve papel central na valorização da cultura mexicana e no cenário político da época. Graças a suas influências, conseguiu asilo para muitos artistas e intelectuais que fugiram da guerra na Europa.

A quase um mês do início da exposição, vale se aprofundar sobre a vida da artista para melhor compreender o berço das 100 obras da exposição. Frida, de Hayden Herrera (Editora Globo), serviu de inspiração para o filme Frida, (2002), de Julie Taymor, e é um bom começo para adentrar a vida da artista. A biografia é a mais completa já publicada sobre a mexicana. Um viés poético e mais afetivo está em Frida Kahlo — Suas fotos, compilação de 500 fotografias realizadas ao longo da vida e publicadas em edição de luxo pela Cosac Naify.

Ainda no universo da poesia, Diego e Frida traz a visão do Nobel J. M. G. Le Clézio para o romance conturbado do casal. O autor evita se aprofundar sobre as constantes traições e casos extraconjugais que marcaram a relação e prefere escrever sobre a visceralidade que uniu duas das mentes mais brilhantes da arte mexicana. A história de Frida é também a história de um momento da América Latina e diz muito sobre um continente marcado pela tensão política e artística que opôs, muitas vezes, contemporaneidade e tradição, capitalismo e socialismo, opressão e liberdade.